O ÓBVIO E O ABSURDO.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

FILOSOFIA INÚTIL



Leio que filosofia não é auto ajuda. Penso, porém, que se ela não é auto-ajuda, no nível mais alto possível, muito acima do que se chama de auto ajuda no mercado editorial, então ela é aquilo que o homem comum, desinteressado dela, pensa que ela é: algo inútil, mero hobbie, passatempo de nerd.

Entendo que o homem, além de sofrer por razões de saúde ou financeiras, pode sofrer com suas dúvidas existenciais (com o perdão do clichê), religiosas, metafísicas, etc. A Filosofia, sempre pensei, serve para aplacar estas dúvidas, essa angústia de não saber, muito embora na maioria das vezes não chegue a resultado algum.

Neste sentido ela é auto ajuda, num nível superior. Penso também que ela só é interessante se estas dúvidas partem da realidade concreta do sujeito ou da sociedade. Escritos sobre temas meramente abstratos como “a batalha naval amanhã”, o paradoxo do padeiro, etc. são meros quebra-cabeças para a fruição, semelhante a qualquer atividade lúdica.

Já a pesquisa mais séria que se faz nas nossas universidades, por sua vez, é do tipo “Epokhe e Linguagem no Ceticismo Pirrônico”, “O Nominalismo no Diálogo Crátilo de Platão” e versam sobre a real interpretação de uma frase num livro de Platão ou Descartes e não vão além disto. O escopo é muito pequeno e só tem interesse filológico ou histórico. Que tem a dizer sobre a nossa vida concreta aqui e agora? Nada. Serve pra quê? Não serve nem pra diversão porque a “língua de pau” própria destes estudos e os assuntos são chatísssimos. É melhor ler os fogos de artifício das cigarras mágicas.

Mas para não dizer que é uma completa inutilidade que descontentaria imensamente o contribuinte por financiá-la através da Capes, do Cnpq, da Fapesp (por sorte o contrubuinte não faz a menor ideia do que estes pesquisadores estão fazendo com o seu dinheiro, pois estes trabalhos só circulam dentro do grupo), digamos que ela serve subsídio a estudos mais sérios. Serve, por exemplo, para que um filósofo de verdade quando estiver discorrendo sobre um assunto de interesse existencial concreto e abrangente, e queira se valer da opnião de um filósofo do passado para robustecer sua argumentação, consulte um autor de filigranas filológicas para saber se a citação é exata. Um trabalho de filigrana filológica ou histórica assim é mera peça para um trabalho maior. Um filósofo da estirpe de Olavo de Carvalho é como uma montadora de automóveis (não discuto a qualidade dos carros) outro como Zingano e seus discípulo são meros fornecedores de pequenas peças. Por isso o público em geral prefere filósofos da espécie de Olavo de Carvalho: o produto tem alguma utilidade concreta.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

RELATOS DE BEUZEBU A RAUL SEIXAS


(Trechos da Obra Abortada de Pseudo Paulo Coelho)

Filósofo do Rigor.
“Um precoce filósofo, por volta dos 30 anos, decidiu por em suspensão suas dúvidas angustiantes sobre questões sobre a natureza do bem e do mal, a existência de um ser supremo criador do universo, a possibilidade do conhecimento objetivo, e a consistência ontológica dos conceitos universais. 
Compreendeu que era vão especular sobre isso sem conhecer a opinião dos grandes vultos do pensamento filosófico que o precederam na História da Humanidade. Passou então os 20 anos seguintes a estudar as divagações de Platão, Aristóteles, Plotino, Aquino, Descartes, Kant, Hegel e Husserl sobre os temas até que, aos 40 anos, se deu conta de que não podia saber ao certo a opinião que estes filósofos tinham tido sobre as grandes questões filosóficas da humanidade sem primeiro tornar claro, exato e indubitável o que eles tinham dito a respeito destes grandes temas. 
Mergulhou então nos estudos filológicos e crítico-históricos. Só em cima de um único livro, “A Metafísica”, de Aristóteles, passou 05 anos numa rigorosa averiguação dos volumes de Bekker, Bonitz, Shwegler, Chist, Ross e Jaeger, dos comentadores gregos da antiguidade, dos comentadores escolásticos, e dos comentadores modernos, continentais e anglo-saxões. Debruçou-se também sobre a maravilhosa biblioteca de estudos críticos sobre estes estudos. E sobre a fabulosa sub-biblioteca dos estudos críticos sobre os estudos críticos. E sobre... Como num jogo de espelhos.
 Quando terminou os estudos, sem chegar a grandes conclusões, descobriu que lhe escaparam novas especulações sobre a Metafísica de Aristóteles que vinham sendo desenvolvidas em Princeton, Cambridge, Munique, Bristol, Praga, Stanford, Estrasburgo e São José dos Campos. Bem como sobre a revisão crítica destes novos enfoques. Passou então mais 5 anos a incorporar os novos estudos. 
Prosseguiu nos estudos filológicos e crítico-históricos até os 65 anos quando descobriu que jamais se poderia falar sobre a verdadeira doutrina de Aristóteles ou a verdadeira doutrina de Platão, pois tudo o que havia era interpretações filológicas eternamente sujeitas a novas versões. 
No ano seguinte, o filósofo morreu de câncer na laringe (tinha o hábito de fumar durante os estudos, embora nunca tivesse chegado a uma conclusão sobre se o cigarro era ou não de fato causa de neoplasias: não tinha percorrido nem um centésimo de toda a bibliografia científica sobre o assunto) e nada soube em sua vida sobre a verdade ou sobre o que os grandes vultos do passado haviam pensado a respeito dela, e nada mais disse nem lhe foi perguntado.
Morreu anônimo, sem nada publicar.”

Triste Notícia para Um Homem Já Tão Velho.
“Um navegador chinês passou a vida inteira a navegar pelo Oceano Pacífico quando, aos 80 anos, acreditando que conhecera todos os contornos do ‘universo’ navegável vieram lhe contar que ainda havia mais oceanos para navegar. Sem titubear, respondeu: estes, se existem, não são dignos de navegação.” 

A Última Piada de Graham Chapman.
“O Japão era o Cavaleiro Negro da Segunda Grande Guerra.”

Decepção Evangélica.
“Quando olhou pela fresta da porta e viu o que os dois pastores faziam teve uma das revelações mais decepcionantes de sua vida: seus guias espirituais não estavam cheios do Espírito Santo, mas sim, cheios de anfetamina. Era dela que extraíam o fervor e a loquacidade hipnótica. A glossolalia vinha quando a inibição da recaptação de dopamina atingia o pico em seus encéfalos pentecostais.”


Crise Sacrificial.
“Não remássemos noite adentro pelos túneis aquáticos de Veneza, o arlequim não nos teria conduzido até aquela cidade nordestina de Santana da Casamata. Fazia calor e os foliões cangaceiros da Pedra do Reino estavam inebriados com a luz das estrelas e as coruscantes emanações da lua. Preparavam um ritual macabro e eu não sabia. Só aguardavam a chegada da ave de prata montada pelo Pequeno Príncipe redivivo. Jezebel seria mais uma vez sacrificada no altar da maldade em honra de Behemot, numa crise sacrificial girardiana. Acaso não era Dr. Hilarius, no auge de sua insânia, edição esgotada do “Rei de Amarelo” nas mãos, quem conduzia o festim? Creio que era, pois desde 1.980, jamais se teve notícia do temível psiquiatra de São Francisco, o mesmo que conduzira o projeto do círculo mais liberal da SS para tornar os judeus catatônicos, em vez de matá-los. Eu suava a cântaros e ouvia sem paciência Sherazade me contar de novo a mesma história pela milésima primeira vez. Deus, como pode se divertir contando histórias quando mais um inocente será sacrificado pela adaga eterna de Isaacaron? Somente o Capitão Willard teria sangue acabar com aquele forrobodó macabro. Mas desde que se embrenhou nas matas do Camboja em busca do Coronel Brando, jamais se teve notícia sua. Que faremos? Só nos resta aguardar a vinda do Cordeiro, aquele que abole a crise sacrificial e desimanentiza o schaton.”

O Mais Belo Diálogo Jamais Escrito
“ - Deus fez o mundo de tal forma que, mesmo se abstrairmos mentalmente a sua existência, a vida continua a fazer sentido.”
-Então você acredita em Deus?
- Não creio, nem deixo de crer, mas também não sei. Contudo, se ele existe, fez o mundo, e o fez assim tal como eu disse, pois o mundo é assim, infinito de sentido, e é o único mundo que há.”
– Lindo!”






quinta-feira, 22 de maio de 2014

SUB SPECIE AETERNITATIS



Aí vem a Copa do Mundo de novo. Hoje, reparando o álbum de figurinhas na banca, pensava: esse ano busca-se o hexa, qual será o prefixo grego quando o Brasil buscar o seu 53º. campeonato em 2.434? Não fiz as contas para ver se dá para vencer 50 e tantos campeonatos até lá, nem sei se haverá copa em 2.434, mas chuto. E em 2500, como será a Copa? Existirá Copa? Existirá futebol? Existirá o Brasil? De nós não restará nem resquício de lembrança, nem de nossos netos. Talvez se lembrem do "Pelé Eterno", como hoje nos lembramos do nome de Carlos Magno, mais como um símbolo de uma infinidade de iguais. 

Esse tempo dilatado não nos pertence, nem nos interessa. Só nos pertence e interessa o presente. Pensar nestas coisas é já uma forma de insanidade para o mamífero que somos. Mas, no fundo, sempre pensei. Acho que desde quando estava sendo banhado pela babá numa bacia. E desse tempo que se estende infinitamente sempre tive pavor, pois ele vai aniquilando tudo, aniquilando todos os momentos, contados em horas, em dias, em meses, em anos, em décadas, em séculos, e talvez os remetendo para o limbo inacessível da Eternidade, para fora da caverna do Platão. Que significará a década de 1.980 de que nos lembramos com tanto saudosismo em 2.760? É uma década que só importa para nós e desaparecerá da memória coletiva em breve, breve. Não tem nenhum significado numa escala de tempo maior. O Universo inteiro será aniquilado no fim (e que delícia de Universo inteiro que será aniquilado no fim!). Talvez recomece a existir num eterno retorno. Não sei o que a Astrofísica pensa atualmente sobre isso, talvez o eterno retorno seja apenas um cenário cósmico possível, dentre tantos. Dá-nos uma vontade imensa de escapar para fora disto, de escapar desse maldito possível eterno retorno, ou desse fim cósmico decepcionante (também não consigo compreender quem não tenha a vontade de escapar disto, de achar uma toca de coelho de baixo da cerca da Teoria Final): 

“Não importa como esses problemas serão resolvidos, e qual o modelo cosmológico vai se mostrar correto, não há muito conforto em nada disso. É quase irresistível ao ser humano crer que temos uma relação especial com o universo, que a vida humana é simplesmente o resultado mais ou menos ridículo de uma cadeia de acidentes que remontam aos primeiros três minutos, mas que de alguma forma nós fomos inseridos desde o início (...) É muito difícil constatar que isto é apenas uma minúscula parte de um universo predominantemente hostil. É ainda mais difícil constatar que este universo presente evoluiu de uma condição inicial indizivelmente inóspita, e se defronta com a futura extinção por frio incessante ou calor intolerável. Quanto mais o universo parece compreensível, tanto mais também parece sem sentido.

Mas se não há o conforto nos resultados de nossa busca, há ao menos algum consolo na própria busca. Homens e mulheres não se contentam em se confortar com lendas de deuses e gigantes, ou em confinar seus pensamentos às questões diárias da vida; eles também constroem telescópios e satélites e aceleradores e sentam diante de suas escrivaninhas durante horas intermináveis elaborando o significado de todos os dados que ajuntam. O esforço de entender o universo é uma das poucas coisas que elevam a vida humana um pouco acima do nível da farsa e do absurdo, e lhe dá algo da graça da tragédia.” (Steven Weinberg. The First Three Minuts,).

Falava de eu estar filosofando na bacia de tomar banho na mais tenra idade. Não sei se isso de fato aconteceu, mas tenho essa lembrança desse possível acontecimento no meu passado. Pensava no espaço, no que poderia haver além dele. Pensava naqueles ícones da sagrada família e os via como a família de um rei que morava no céu. Mas me perguntava: como é que rei pode morar no céu? O Espírito Santo coça-se com o bico? Se eu tivesse revelado aquele pensamento à moça que me banhava ela teria dito com toda certeza: pare de pensar em besteira, menino. De certa forma, ela tinha razão.

Outra "besteira" na qual se pode passar tempo a pensar é no ultimate meaning. O Psicólogo Que Escapou do Holocausto diz que o ser humano não suporta a falta de sentido. O nonsense, o dadaísmo só nos servem como divertissement. Eles têm a mesma função do humor, além de uma função a que a psicologia do próprio Frankl dá o nome de desreflexão: um método para tratamento de neuróticos com pensamentos obsessivos. Mas fica a questão: temos a sede de sentido, mas também a sede de sentido último? Bom, não é preciso dizer que quem persegue o sentido último e dá tanta importância a ele é essa raça esquisita mas onipresente em qualquer sociedade humana e em qualquer época da história, sempre numa proporção insignificante da população: a raça dos filósofos. Qual deles nunca fez esse tipo de reflexão tão banal a que podemos dar o nome de escalada dos porquês?: Acordo, tomo café da manhã. Por que? Porque preciso ter energia para o dia a dia, para o trabalho. Faz sentido. Mas por que preciso de trabalho? Porque preciso de dinheiro para viver. Faz sentido. Mas por que preciso viver? Pronto, começa a Filosofia. Podemos fazer como as “pessoas normais” e parar por aqui, respondendo: porque sim. Quando a questão começa a incomodar, a melhor saída vem de Victor Frankl: desreflexão. Porque, de fato, não é para incomodar muito: a vida cotidiana já está cheia de sentido demais, e mal nos damos conta. Voltar ao fluxo irrefletido da vida cotidiana é a solução. Infalível. Ademais, esse mundo é uma fonte inesgotável de divertissement. Entramos num e adeus ennui. Só não se deve cair na seita do chá de Herbalife ou na do Waldo Vieira.  

Mas a questão continua. Creio que a resposta a ela pode ir em vários sentidos: o niilismo, segundo o qual não há sentido nenhum; o religioso transcendental; o imanentista aristotélico(?): o sentido da vida é ser feliz aqui neste mundo já que não há outro e ponto final. O sentido imanentista aristotélico tem algumas consequências pesadas. Por exemplo, a terapia para pacientes com doença dolorosa severa e incurável só pode uma: a eutanásia. Robert Chambers (1865-1933) se antecipou demais no conto "O Reparador de Reputações", da coletânea "O Rei de Amarelo", ao prever para 1.920 a instalação das primeira "Câmaras Letais" nos EUA. Errou de lugar também: as primeiras entrarão em funcionamento na feliz Noruega ou no Canadá, por volta de 2.027, a menos que os exércitos eurasianos ocupem estes países antes. Pronto, profetizei.

De volta ao menino na bacia: aqueles pensamentos sobre o que haveria além do céu e sobre se o Espírito se coçava ou não com o bico não eram, na época, nem são hoje, a coisa mais importante na vida e só ocupavam uma parcela ínfima do tempo. Em regra. Na época, nos saudosos anos 1.980, o importante, por exemplo, era contar as horas para saber quando a mãe chegaria do Hospital ou ganhar bonecos G.I. Joe uma vez por mês, depois das compras no supermercado. Com o passar dos anos, o divertissement cresceu e se multiplicou. E aqui vamos nós.

P.S. O Espírito Santo coçando-se com o bico, obviamente, é uma alusão ao "Guardador de Rebanhos" e eu nunca imaginei o Espírito se coçando.

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