A leitura de “Desenvolvimento e Cultura” do filósofo Mário Viera de Mello nos desperta para o sério problema do esteticismo. Na versão do filósofo e diplomata carioca, amigo de juventude de Vinícius de Morais que na maturidade, parece-me, entregou-se a um rígido moralismo enquanto o outro descambava para algo um pouco mais baixo que o esteticismo – o hedonismo – o esteticismo nasce no Ocidente da autonomização do princípio estético, fenômeno iniciado segundo ele na Renascença. Que significa esta autonomização? Correndo o risco de simplificar demasiadamente o raciocínio de Vieira de Melo, o esteticismo na arte e mesmo nas ciências e na Filosofia significa construir obras que buscam o belo pelo belo, e não mais o belo por ter uma função moral, pedagógica, espiritual ou política. O que interessa é a beleza da obra ou da teoria e não mais a sua relevância ética ou a sua fidelidade à verdade. Escreve-se um poema, um romance buscando apenas que ele seja belo, que desperte a sensibilidade estética, e não que tenha uma relevância ética, moral ou pedagógica. Aprecia-se na teoria apenas o seu aspecto externo, formal e não as suas qualidades intrínsecas e o seu valor moral.
O esteticista, ao defender uma tese, uma teoria, ainda que tenha conteúdo ético, que traga uma “lição de moral”, o faz apenas por apreciar o seu aspecto externo, a forma. Por isso não assume responsabilidades por ela, por isso ela não lhe é vital, por isso não a defenderá ardorosamente, podendo até mesmo descrer dela. No intelectual esteticista, segundo Vieira de Mello, a idéia não se integra “na totalidade de sua natureza”, apenas “fica repousando na superfície de sua inteligência”. O conhecimento, as teorias, as idéias do esteticista não lhe são vitais, ele não perde o sono pensando nelas, apenas elas lhe causam prazer, um prazer ligado à vaidade do conhecimento ou à vontade de prestígio social, derivada da vontade de potência. Ele defende idéias da boca para fora, não do fundo do coração. Ele jamais se comprometeria seriamente por suas idéias, jamais morreria por elas. Ele é o tipo daquele professor risonho falando da inexistência de sentido do vida com um sorriso nos lábios, defendendo as mais sombrias idéias de Foucault, Heiddeger e congêneres sorrindo e se deliciando com a doce desgraça do mundo.
O esteticismo é para Mário Vieira de Mello dominante em nossa cultura. Teria penetrado aqui com o Romantismo. Um exemplo polêmico dado por ele é o de Machado de Assis: para ele, o Bruxo do Velho Cosme, que toma ares de intelectual superior, irônico, amargo e cético em suas obras, era completamente diferente em sua vida pessoal. Para Vieira de Melo, Machado é um homem medíocre, sem muita experiência de vida, embora com muita experiência de cultura, cheio de preconceitos que procurava ocultar o seu passado pobre a todo custo, a ponto de renegar a madrasta que dele cuidara com tanto zelo durante a infância:
“Para que pudéssemos levar a sério o ceticismo, a ironia de Machado de Assis, seria preciso, em primeiro lugar, que ele soubesse aplica-los a si próprio; ficaríamos então convencidos de que se tratava nele de uma tendência irresistível. Mas Machado, ao contrário, se levava terrivelmente a sério. O homem que nos seus romances parece pairar acima das contingências terrestres é o mesmo que se sente pouco à vontade se um amigo de infância vai visita-lo na repartição e na presença de companheiros de trabalho o trata familiarmente por Machadinho (...) O escritor cuja personalidade literária parecia repousar sobre a experiência de uma desilusão da vida e dos homens era um ser que não podia se queixar do próprio destino, pois tudo a que havia aspirado lhe fora concedido numa medida amplamente generosa.”
Enfim, em Machado o estilo não é o homem.
Lembro-me de uma professora de Português no Ensino Mérdio que ilustra bem o caso. Mandou-nos ler “O Que é Ideologia” de Marilena Chauí e depois expôs, explicou e não criticou as idéias expostas no livro, sinal de que as acatava. O livro é uma porcaria que expõe a teoria marxista de ideologia, segundo a qual a Ciência, a Arte, a Filosofia e a Religião não são mais que epifenômenos da estrutura econômica da sociedade, cumprindo a função de vaselina com que a classe dominante curra a classe dominada. Não há, portanto, como acreditar nas teses deste livro e não ser ou passar a ser ateu, porque delas se extrai que a religião é só o ópio do povo: ilusão criada para manter os alienados em um dócil servilismo. Mas acontece que a professora era cristã fervorosa e devota praticante do Catolicismo. Não creio que uma mulher relativamente inteligente como ela não pudesse perceber este óbvio ululante de contradição. Para mim, ela só se divertia com a teoria, chutando a contradição para o inconsciente. Ela não a levava a sério, não permitia que ela se incorporasse à sua existência de forma a assumir as conseqüências que ela traz. Ou então era burrinha mesmo.
Mas, enfim, que mal faz o esteticismo? Não é só um divertimento para diletantes? Obviamente, não. O problema, de acordo com Vieira de Melo, está na dissociação entre o “Princípio Ético” e o “Princípio Estético”. Pode-se achar bela e deleitosa a dor, a crueldade, a morte. O esteticista lê um livro de História passando os olhos por estatísticas sangrentas, sobre relatos de genocídios, torturas, guerras e epidemias devastadoras e não sofre com isso, apenas acha interessante e até belo. O personagem Alex Delarge de ”Laranja Mecânica” se delicia com Beethoven e com a tortura de inocentes. Pratica estupro cantanto “Singing in The Rain”. Aquilo tudo é a sua obra de arte. Por fim, ele mata uma artista com uma obra de arte dela, um pênis gigante, de porcelana ao que me parece. O exemplo mais óbvio de esteticista cruel é o Marquês de Sade.
O Brasil é essencialmente esteticista. Era ao tempo de Mário Vieira de Melo e é ainda mais atualmente. A cada tragédia um especialista afetando seriedade e preocupação aparece para se deliciar com suas teorias preconcebidas para explicar o evento. Percebe-se o ranço esteticista em Luís Fernando Veríssimo, Marilena Chauí, João Ubaldo Ribeiro, Paulo Coelho, Antônio Cândido, Fernando Henrique Cardoso e em quase todo componente da elite intelectual mais influente no Brasil.
O livro de Vieira de Mello é fantástico, de uma leitura agradabilíssima. Pode servir mesmo como deleite para esteticistas e diletantes vagabundos. Mas é cheio de teses polêmicas e discutíveis. E ainda há aquele problema filosófico: pode o Belo ser dissociado do Bem? O Bem, o Belo e a Verdade não são sempre inseparáveis? Uma coisa é certa: o lixo esteticista é uma das primeiras seções a serem descartadas da Torre de Babel Bibliotecária.
O esteticista, ao defender uma tese, uma teoria, ainda que tenha conteúdo ético, que traga uma “lição de moral”, o faz apenas por apreciar o seu aspecto externo, a forma. Por isso não assume responsabilidades por ela, por isso ela não lhe é vital, por isso não a defenderá ardorosamente, podendo até mesmo descrer dela. No intelectual esteticista, segundo Vieira de Mello, a idéia não se integra “na totalidade de sua natureza”, apenas “fica repousando na superfície de sua inteligência”. O conhecimento, as teorias, as idéias do esteticista não lhe são vitais, ele não perde o sono pensando nelas, apenas elas lhe causam prazer, um prazer ligado à vaidade do conhecimento ou à vontade de prestígio social, derivada da vontade de potência. Ele defende idéias da boca para fora, não do fundo do coração. Ele jamais se comprometeria seriamente por suas idéias, jamais morreria por elas. Ele é o tipo daquele professor risonho falando da inexistência de sentido do vida com um sorriso nos lábios, defendendo as mais sombrias idéias de Foucault, Heiddeger e congêneres sorrindo e se deliciando com a doce desgraça do mundo.
O esteticismo é para Mário Vieira de Mello dominante em nossa cultura. Teria penetrado aqui com o Romantismo. Um exemplo polêmico dado por ele é o de Machado de Assis: para ele, o Bruxo do Velho Cosme, que toma ares de intelectual superior, irônico, amargo e cético em suas obras, era completamente diferente em sua vida pessoal. Para Vieira de Melo, Machado é um homem medíocre, sem muita experiência de vida, embora com muita experiência de cultura, cheio de preconceitos que procurava ocultar o seu passado pobre a todo custo, a ponto de renegar a madrasta que dele cuidara com tanto zelo durante a infância:
“Para que pudéssemos levar a sério o ceticismo, a ironia de Machado de Assis, seria preciso, em primeiro lugar, que ele soubesse aplica-los a si próprio; ficaríamos então convencidos de que se tratava nele de uma tendência irresistível. Mas Machado, ao contrário, se levava terrivelmente a sério. O homem que nos seus romances parece pairar acima das contingências terrestres é o mesmo que se sente pouco à vontade se um amigo de infância vai visita-lo na repartição e na presença de companheiros de trabalho o trata familiarmente por Machadinho (...) O escritor cuja personalidade literária parecia repousar sobre a experiência de uma desilusão da vida e dos homens era um ser que não podia se queixar do próprio destino, pois tudo a que havia aspirado lhe fora concedido numa medida amplamente generosa.”
Enfim, em Machado o estilo não é o homem.
Lembro-me de uma professora de Português no Ensino Mérdio que ilustra bem o caso. Mandou-nos ler “O Que é Ideologia” de Marilena Chauí e depois expôs, explicou e não criticou as idéias expostas no livro, sinal de que as acatava. O livro é uma porcaria que expõe a teoria marxista de ideologia, segundo a qual a Ciência, a Arte, a Filosofia e a Religião não são mais que epifenômenos da estrutura econômica da sociedade, cumprindo a função de vaselina com que a classe dominante curra a classe dominada. Não há, portanto, como acreditar nas teses deste livro e não ser ou passar a ser ateu, porque delas se extrai que a religião é só o ópio do povo: ilusão criada para manter os alienados em um dócil servilismo. Mas acontece que a professora era cristã fervorosa e devota praticante do Catolicismo. Não creio que uma mulher relativamente inteligente como ela não pudesse perceber este óbvio ululante de contradição. Para mim, ela só se divertia com a teoria, chutando a contradição para o inconsciente. Ela não a levava a sério, não permitia que ela se incorporasse à sua existência de forma a assumir as conseqüências que ela traz. Ou então era burrinha mesmo.
Mas, enfim, que mal faz o esteticismo? Não é só um divertimento para diletantes? Obviamente, não. O problema, de acordo com Vieira de Melo, está na dissociação entre o “Princípio Ético” e o “Princípio Estético”. Pode-se achar bela e deleitosa a dor, a crueldade, a morte. O esteticista lê um livro de História passando os olhos por estatísticas sangrentas, sobre relatos de genocídios, torturas, guerras e epidemias devastadoras e não sofre com isso, apenas acha interessante e até belo. O personagem Alex Delarge de ”Laranja Mecânica” se delicia com Beethoven e com a tortura de inocentes. Pratica estupro cantanto “Singing in The Rain”. Aquilo tudo é a sua obra de arte. Por fim, ele mata uma artista com uma obra de arte dela, um pênis gigante, de porcelana ao que me parece. O exemplo mais óbvio de esteticista cruel é o Marquês de Sade.
O Brasil é essencialmente esteticista. Era ao tempo de Mário Vieira de Melo e é ainda mais atualmente. A cada tragédia um especialista afetando seriedade e preocupação aparece para se deliciar com suas teorias preconcebidas para explicar o evento. Percebe-se o ranço esteticista em Luís Fernando Veríssimo, Marilena Chauí, João Ubaldo Ribeiro, Paulo Coelho, Antônio Cândido, Fernando Henrique Cardoso e em quase todo componente da elite intelectual mais influente no Brasil.
O livro de Vieira de Mello é fantástico, de uma leitura agradabilíssima. Pode servir mesmo como deleite para esteticistas e diletantes vagabundos. Mas é cheio de teses polêmicas e discutíveis. E ainda há aquele problema filosófico: pode o Belo ser dissociado do Bem? O Bem, o Belo e a Verdade não são sempre inseparáveis? Uma coisa é certa: o lixo esteticista é uma das primeiras seções a serem descartadas da Torre de Babel Bibliotecária.
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