segunda-feira, 30 de julho de 2007

NA TORRE DE BABEL BIBLIOTECÁRIA III - O Marginal Renascimento da Cultura Nacional na segunda metade da década de 1990.

Paulo Francis afirmava, no fim de sua vida, estar tecnicamente morto, em virtude do marasmo cultural que dominava o mundo, e principalmente o Brasil, no final da década de 1990, quando nada de novo e interessante surgia. Na Academia tudo havia se resumido a marxismo, freudismo, Escola de Frankfurt, Foucault, Heiddeger, Nietzshe, diletanismos esteticistas e a fragmentação da Pesquisa Científica em assuntos sem a menor importância – o lixo da Torre de Babel Bibliotecária. E tudo não passava de variações do mesmo tema. Ainda hoje é assim. Na mídia, os articulistas quando não se limitavam a regurgitar para o público as idéias daqueles autores mencionados acima, aplicando-as a casos concretos, pediam-se em assuntos sem maior importância, crônicas do cotidiano, cheios de um certo tédio e desilusão.

O resultado disto é que aqueles que iniciavam a sua educação através do que era veiculado pela Academia e pela Mídia dominantes só encontravam tédio, chatice e complicações que mais tarde percebi que eram mero vácuo intelectual encoberto por um pedante academiquês – pura mistificação, obscuridades para disfarçar o vácuo de idéias. Como você não entendia nada, sentia-se burro ante a falsa profundidade dos intelectuais, era burro demais para entender aqueles altos ensinamentos. Por outro lado eu experimentava uma terrível sensação de vazio, talvez o ennui pascaliano. Cheguei a construir, a partir daquela educação fragmentária, uma cosmovisão sombria, onde o mundo e a vida não pareciam fazer sentido algum no final das contas. Só havia uma saída: a militância revolucionária, no sentido político e cultural. Mas mesmo ela não podia preencher o vazio, porque, afinal, quando a sociedade comunista, o Paraíso da Era de Aquários, a Sociedade Alternativa, o paraíso social-democrata, o paraíso do sexo livre ou qualquer outra utopia viessem, eu iria me perguntar: então é só isso? Acabou o sentido, vamos fazer o que daqui para frente, já que atingimos a perfeição? Atingimos o sentido da vida, mas era só isso?

Durante os últimos cinqüenta anos é claro que não deixou de haver produção intelectual original, séria e relevante: havia Bruno Tolentino na poesia, Miguel Reale na Filosfia Jurídica e Política, a boa defesa tradicionalista de Gustavo Corção, a crítica cultural de José Guilherme Merquior, a obra política séria de José Osvaldo de Meira Penna, Vamireh Chacon e Simon Swartzmann, as análises econômicas irrefutáveis de Roberto Campos e Eugênio Gudin, além dos velhos grandes que ainda estavam na ativa, sem contar o próprio Paulo Francis. Mas chegam os anos noventa e os que não havia morrido não tinham mais voz. Foram substituídos pelos mais medíocres que agora dispunham dos cinco mil auto-falantes: Marilena Chauí, Leandro Konder, João Ubaldo Ribeiro, Boaventura de Sousa Santos, Luiz Fernando Veríssimo, Emir Sader, Antônio Cândido, Frei Betto, Leonardo Boff, Zuenir Ventura, e congêneres. E foram eles que acabaram por me “educar” nos meus primeiros anos, pervertendo boa parte de minha educação e me enchendo de tédio e quase-desespero, que só era aliviado pelo orgulho intelectual de saber aquelas idéias chatas e sombrias (também não sei porque eu esquentava a cabeça com estas coisas em vez de ir procurar namoradas, passar no vestibular, graduar, arrumar emprego, comprar um carro...)

Mas Paulo Francis morreu em 1997 quando se iniciava no país o que eu chamaria de um renascimento da cultura nacional, relativamente marginalizado. Ele morreu no meio dela, sem ter tido tempo de conhecê-la.

Em 1994 e 1995 surge o que para mim é o pensador mais original, instigante e erudito de seu tempo: Olavo de Carvalho. Emergindo do silêncio de trinta anos de pesadíssimos estudos, ele entrava na arena dos debates políticos e culturais do país para assombrar e chocar. Gerou revolta, pois como este caipira de Campinas podia ter a ousadia, o desplante de chamar Sartre de palhaço verboso, Marx de charlatão, dizer que Newton implantou o germe da burrice no Ocidente (algo mais ou menos assim), desprezar Voltair, Rousseau, jogar parte da obra de Kant, Descartes e Hegel na lata de lixo e falar da raridade das autêntica filosofias no Ocidente que se resumiria praticamente a Sócrates-Platão-Aristóteles, Thomas de Aquino, Leibnitz, Shelling, Husserl, Zubiri, Voegelin, além de dizer que o Princípio da Indeterminabilidade de Heisenberg já estava prefigurado na Física de Aristóteles? Quem era ele para isso, eu mesmo me perguntava quando comecei a lê-lo? Era a nossa covardia intelectual e o apego aos ídolos canônicos que nos indignava. Aos poucos Olavo ganha espaço na Grande Mídia, sendo marginalizado posteriormente, de novo, na metade dos anos 2000. Ele trazia uma profusão de autores espantosos jamais conhecidos por estas plagas, já esquecidos, postos em segundo plano, ou conhecidos em círculos muito restritos: dentre os brasileiros: Mário Ferreira dos Santos, Mário Vieira de Mello, Otto Maria Carpeaux (quase toda a sua vida foi vivida no Brasil e quase toda a obra escrita aqui, por isso o coloco entre os brasileitos), Gustavo Corção e muitos outros. Dentre os estrangeiros principalmente: Eric Voegelin, Bernard Lonergan, Xavier Zubiri, Raymond Aron, Ludwig von Mises, Mortimer Adler, Eugen Rosentock Huessi, Arthur Koestler, Bernanos, Russel Kirk, e uma infinidade desconcertante de outros autores. Todos eles seus declarados mentores intelectuais. Não que estes nomes fossem completamente omitidos, mas quando eram mencionados não se aquilatava o verdadeiro valor de suas obras, não se revelava o verdadeiro papel que representavam na cultura ocidental e não se comparava a sua obra com a dos autores canônicos de nosso establishment cultural. Quando o faziam diminuíam o valor daqueles em relação a estes. Lembro-me de um artigo de José Guilherme Merquior sobre o pensamento conservador e liberal que, após analisar sumariamente as contribuições de Voegelin, Hanna Arrendt, Oakeshott, Leo Strauss, e Von Mises (pelo menos ele os conhecia), descarta a todos, qualificando-os de antiquados, e fica só com Raymond Aron.

À primeira vista, me parece que a pretensão de Olavo de colocar os seus mestres acima destes que chamo de autores canônicos de nosso establishment era fruto de uma escolha premeditada para justificar os seus próprios valores, para justificar o seu conservadorismo cultural, o seu liberalismo em economia e as suas crenças religiosas. Pois a obra de todos aqueles autores acaba por justifica-los. Mas, sinceramente, sem ter refeito todo o árduo iter de aprendizado de Olavo de Carvalho, sei que ele iniciou a sua educação com os canônicos e só aos poucos foi conhecendo aqueles que viriam a ser as suas maiores referências intelectuais. E, pelo fato de sua honestidade intelectual já ter sido suficientemente provada, creio que a sua escolha partiu de uma comparação objetiva entre as idéias de uns e outros autores.

Olavo pode se equivocar em suas avaliações, pode exagerar, seu estilo é, de fato, um tanto hiperbólico, mas com ele o marasmo intelectual que matou tecnicamente Francis vem se dissipando. Trouxe novos ares, injetou novas discussões, novas e esquecidas teses, perspectivas diferentes para a análise do fato político e cultural, reabilitou a astrologia, reabilitou a os estudos religiosos, fulminou o marxismo e o gramscismo para quem ainda não o tinha fulminado com outros autores. E, com Victor Frankl, trouxe de volta o sentido da vida para mim e para muitos que conheceram o psiquiatra vienense através dele.

Mas a Academia e a Mídia se cercaram bem para evitar a ameaça do Renascimento da Cultura Nacional trazida pelo Sr. Carvalho. Mas não puderam, nem podem vedar a internet. Seus textos são todos publicados na internet, seus livros têm obtido ampla divulgação e seu mais recente empreendimeno, um programa de rádio pela rede de computadores tem alcançado um grande sucesso. A reboque, vêm um multidão de sites e blogs mais ou menos influenciados por eles. Alguns são mesmo meros retransmissores e aplicadores de suas idéias. Nada mais normal, isto sempre aconteceu com os gigantes de uma cultura.

Essa renascimento, obviamente, não passou nem vai passar na televisão, mas “passa” na internet. Além de Olavo de Carvalho, creio que outro acontecimento cultural renovador, mas marginalizado, teria sido um pasquim eletrônico, bem mais inteligente, profundo e sério do que aquele da década de 1970, surgido pela iniciativa de três jovens universitários da PUC-RJ em 1997, gente que contava com, pasmem, 17, 18 anos na época: “O Indivíduo”. Os autores eram Pedro Sette Câmara, Álvaro Veloso de Carvalho, Sérgio di Biasi, Marcelo Tostes e Alceu Garcia. Posteriormente apareceram outros contribuidores como o genial Martim Vasques da Cunha. Para mim, o trio Pedro, Álvaro e Martim contituía o que havia de melhor no site. O pasquim nasceu de um jornal impresso lançado pelos autores na PUC do Rio. Trazia idéias heterodoxas demais para os alunos e professores da PUC. Foram massacrados, chegaram a receber agressão física. O reitor não os apoiou. Foram acusados de racismo e o caso foi parar até no Jornal Nacional. Olavo de Carvalho, Carlos Heitor Cony e até Miguel Reale acorreram em defesa daquele atentado à liberdade de expressão.

Por fim, abandonaram o impresso e refugiaram-se na internet. Tratava-se de gente nova, mas que já atingia um nível cultural bastante superior ao de muitos dos articulistas da mídia tradicional. Trouxeram como Carvalho uma vasta coleção de novidades de autores, perspectivas e idéias. Todas as semanas postavam uma quantidade enorme de artigos publicados na mídia conservadora e liberal estrangeira, principalmente norte-americana em veículos como o Lew Rockwell, The Spectator, Mises Institute, Anti War, New Criterion, e muitos outros. Trouxeram as idéias anarco-liberais de Rothbard e Hermann Hoppe para o Brasil, ressalvando que não concordavam em tudo com estes autores. A tônica do site era conservadorismo religioso e cultural, liberalismo econômico e político (mais radical que o de Olavo de Carvalho) e defesa do catolicismo, embora também existisse um ateu no grupo. Promoviam uma interessante crítica cultural, examinando os filmes, romances e livros em geral da hora. Entendem que a boa obra de arte tem de ter responsabilidade ética e finalidade pedagógica. E este é um dos critérios com que separavam as boas das más. Alunos de Olavo de Carvalho, havia neles um eco das idéias do autor, mas tinham independência. Tinham outras influências. Acusados no início de olavetes aos poucos foram se afastando do autor de “O Jardim das Aflições” em muitos pontos. Por ocasião da Guerra do Iraque, Álvaro Veloso adotava uma posição diametralmente oposta a de Olavo de Carvalho, certamente por influencia pelos anarco-liberais americanos, como Justin Raimond e Lew Rockwell. Pedro diz divergir em 100% do que Olavo de Carvalho pensa sobre religião, não acreditando na idéia de “unidade transcendente das religiões” que Olavo propagou. Se não me engano, Pedro também rejeita completamente o Islamismo, como acha que todo católico deva fazer - sem imposição de conversões pela força, é claro (http://www.oindividuo.com/?s=Islamismo), enquanto Olavo, que já foi até premiado num país muçulmano por um estudo sobre Maomé, vê virtudes naquela Religião.

Em 2003, o site foi entrando em recesso. As atualizações escasseavam. Os autores pareciam estar desanimados ou se dedicando a outras atividades que consideravam mais importantes. Mas em 2004, retornaram no formato de blog, praticamente só Pedro postando. Martim Vasques da Cunha desapareceu completamente. Álvaro fez aparições esporádicas em 2006, com textos providenciais sobre o pleito daquele ano. Pedro atualmente cuida mais de literatura, com o seu “domingo com poesia”, em que faz a análise minuciosa, formal e de conteúdo, de grandes poemas da língua portuguesa. Melhor aprendizado sobre literatura você não vai encontrar em nenhum colégio, e nem mesmo na Universidade. Volta e meia dá seu pitaco sobre os assuntos em voga, políticos e religiosos. È um ótimo expositor da verdadeira doutrina cristã, desfazendo os erros difundidos na mídia sobre ela.

Por fim, queria falar do Sr. Marim Vasques da Cunha. Recentemente descobri que ele continuava escrevendo em um blog desde 2004, o “Aurora Borealis” (http://composeindarkness.blogspot.com/). É o mais prolixo de todos, e, às vezes, obscuro. Mas é uma crítico cultural de primeira, analisando romances, filmes e mesmo as produções da cultura pop (é especialista em Bob Dilan) com uma perspectiva totalmente original. Estudioso do simbolismo tradicional, aplica esta ciência na análise das obras de arte. Nunca pensei que pudesse haver tanta profundidade numa letra de Bob Dilan, digo sem ironia alguma ( veja por exemplo seu ensaio “A Verdadeira Canção Pacifista: http://www.oindividuo.com/convidado/martim.htm).Tenho extraído verdadeiras lições de vida destes textos essenciais de Martim. Como dizia mesmo aquele verso do Bob Dilan em Idiot Wind? Ele perdeu todas as batalhas, mas ganhou a guerra, algo mais ou menos assim. Genial isto. Coaduna-se com a idéia filosófica de Martim de que o importante na vida é batalhar, seguir em frente honestamente, ainda que só alcancemos fracasso neste mundo, pois a verdadeira batalha se trava na alma humana. Ainda que experimentemos só fracasso nesta vida, tendo lutado por retos ideais, sairemos vitoriosos. Mas o reconhecimento da vitória não se dará neste mundo.

2 comentários:

bruno benedini disse...

não sabia da história d'o indivíduo. na época era muito novo e só fui conhecer o blog no final de 2006. agressões físicas e tudo, uau. sabe onde posso ler mais sobre?

Admin disse...

"embora também existisse um ateu no grupo"

Se esse ateu for o Biasi, sinto dizer que ele se matou há uns anos. :(

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