quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Breve Anotação sobre O Leilão do Lote 49

Se fosse para dizer uma platitude, diria que O Leilão do Lote 49 retrata como nenhum outro romance o clima de loucura dos anos 1960. Em parte é uma excelente sátira dos costumes e do zeigeist de seu tempo. Satiriza as bandas de rock - então uma recentíssima invenção que veio para ficar - com os “O Paranóicos” e a música “Eu quero beijar teus pés”, paródia óbvia de “I wanna hold your hand” dos Beatles; o consumo de drogas: estão lá a heroína e, claro, o LSD; a televisão; a indústria bélica; a nascente indústria informática e as terapias psiquiátricas que mais enlouquecem do que curam (Hilarius, o psiquiatra da personagem principal cria uma técnica calcada em horrendas caretas para chocar seus pacientes).
Mas o Leilão do Lote 49 é mais que uma sátira de seu tempo, é uma sátira da complexa ciência moderna, com a invenção do Demônio de Maxwell, utilizado pelo cientista John Nefastis para criar a inútil máquina de Nefastis, a qual funciona quando um sensitivo olha para o retrato de Maxwell nela colado. É também uma sátira do teatro de Shakespeare e das teorias históricas que buscam encontrar elos secretos entre instituições do presentes e fatos, homens e acontecimentos de uma passado histórico remoto. Pynchon conheceria Éric Voegelin?

Na tradição literária, “O Leilão do Lote 49” inegavelmente tem ascendência kafkiana. Suas primeiras linhas já parodiam “A Metamorfose”: a personagem principal logo de entrada é lançada numa situação absurda que só se amplia como em “O Processo” e que se não termina de forma fatal para a personagem como nesta última obra, não dá a ela a porta de saída do absurdo. A personagem não acorda do pesadelo.

O romance também se insere na linha das narrativas absurdas, juntamente com as de Ionesco e de Becket que, num certo sentido, são narrativas essencialmente religiosas. A minha hipótese interpretativa é a de que O Leilão do Lote 49, assim como os romances kafkianos, deve ser entendido como um romance religioso, pois o absurdo em literatura parece ser a metáfora do Mistério, componente essencial de toda religião. Na religião cristã temos o exemplo do mistério da Santíssima Trindade que nos remete à célebre lenda em que uma criança diz a Santo Agostinho que era mais fácil ela preencher um buraco na areia com toda a água do oceano do que ele compreender a santíssima trindade. E nem Jesus Cristo estava livre do Mistério, pois dizia que o dia e a hora em que seu Pai poria fim ao mundo era um mistério só a ele reservado. As indagações religiosas são respondidas apenas até um certo ponto, até um nom plus ultra a que se dá o nome de Mistério e que se confunde, arrisco-me a dizer com a Vontade de Deus.
O sentido último de toda a existência é um mistério (o que não quer dizer que não exista como querem os niilistas) e saber disto é como viver numa narrativa absurda. Despertar para isto é se ver envolvido numa trama absurda como a do Leilão do Lote 49. Quem comanda tudo isto? Qual é o sentido de toda a história? Qual é o objetivo? Só nos deixam sinais, como a trompa postal que Edipa vê por toda a parte e a misteriosa história do Tristero.

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