quinta-feira, 19 de julho de 2007

ALGUMAS LIÇÕES DE BUNO TOLENTINO


UMA TARDIA HOMENAGEM AO POETA MORTO RECENTEMENTE

Sempre fui um bruto para apreciar poesia. Lia só por uma espécie de obrigação, como quando era obrigado a fazer exercícios de física ondulatória no colégio. Só o mais óbvio do Pessoa, do Drummond ou do Bandeira conseguia causar algum prazer estético nos meus rudes sentidos e intelecto. Foram três poemas do recém falecido Bruno Tolentino, porém, que me causaram, pela primeira vez, comoção diante da arte poética: o primeiro sobre a morte de Merquior (A Indesejada ), mas principalmente O Divino Assassino e A Um Cisne na Agonia (ambos de seu O Mundo como Idéia). Vasculhem na internet e poderão encontrá-los. Comoção mesmo, de chorar, pelo menos diante do terceiro – vá lá também eu não estava muito sóbrio no momento – em sentido etílico.

Olavo de Carvalho lamenta que o poeta tenha morrido sem ter representado o papel de educador literário do Brasil (http://www.olavodecarvalho.org/semana/070704dce.html). Mas esta educação pode ser buscada nos seus escritos em prosa, principalmente em “Os Sapos de Ontem” e nas suas entrevistas que circulam pela internet, pelo menos para quem, como eu, não cresceu o bastante para retirar da própria poesia de Bruno ou dos densos ensaios de O Mundo Como Idéia a sua doutrina da arte do poética.

Ouso aqui então traduzir para Conselheiros Acácios como eu, algumas teses de Tolentino sobre a boa poesia, sobre a boa arte literária e sobre a História literária recente no Brasil. Valho-me apenas do seu prólogo a Os Sapos de Ontem, já rico demais em teses e concepções sobre a arte literária.

Segundo Tolentino, entre as décadas de 1930 e 1950 “a poesia no Brasil atingia enfim a um patamar de universalidade que todas as civilizações em todas as eras chamaram de clássico.” Superado o primeiro Modernismo, que Tolentino execrava tanto quanto o Concretismo, “Bandeira, Drummond, Cecília, Jorge, Murilo e Cabral elevavam nossa lira a cimos que até então desconhecia”, equiparando a poesia brasileira à melhor produção poética feita no exterior e introduzindo o Brasil no grande diálogo universal da grande arte. Sobre Drummond, por exemplo, escreve o poeta:

Com Claro Enigma (1951) adjacências, o nervo da interrogação metafísica nos trópicos abria amplos e profundos espaços para uma verdadeira perquirição do ser, finalmente possível com a superação da obsessão telúrica e a conquista de um idioma próprio, a um tempo denso e abrangente, capaz de encasular a reflexão do universal em suas infinitas possibilidades.”

É caríssima a Tolentino idéia de que a “linguagem” poética não pode se afastar da “língua” corrente. Ela não pode fechar-se em si mesma, tornar-se artificial, um mero jogo de palavras, que nada tem a ver “com língua como de fato se fala.” Em sua última entrevista à televisão, o poeta repete exatamente isto (http://br.youtube.com/results?search_query=Bruno+Tolentino+sempre+um+papo&search=Pesquisar. Quando a linguagem poética corre o risco deste afastamento, urge o advento de uma revolução que faça com que a poesia, sem cair na banalidade volte a falar “a língua como se fala”, a língua com que os homens de seu tempo se comunicam, sem perder, porém, a sua musicalidade, eis que ela é “a música feita com as idéias.” Ou seja, sem deixar de ser uma comunicação de idéias através de um labor artístico, através de ritmo, métrica, rima, harmonia, proporção, etc.

O Brasil corria este risco às vésperas do Modernismo (creio que Bruno Tolentino tinha mente o Parnasianismo, sobretudo). A tarefa do Modernismo brasileiro era exatamente a de implementar esta revolução, tal como Wordsworth, Coleridge, Pound e Eliot teriam feito noutras paragens. Só que os primeiros a assumiram a tarefa de empreender esta revolução, com a exceção de Manuel Bandeira, falharam. Mário de Andrade acabara por “estrofisar um coloquialismo inexistente” e o outro Andrade “sucumbira às piadinhas de minimalismo mental de circunstância.” Mário não conseguiu fazer com que sua poesia falasse a língua como de fato se fala, criou outra, artificial, e Osvald era raso demais para ser levado a sério.

Mas a tarefa da revolução de que falava acima fora cumprida a contento por Drummond, Bandeira, Cecília Meireles, Vinícius de Morais, Jorge de Lima, Murilo Mendes e, mais tarde, por Ferreira Gullar, Adélia Prado, dentre outros. Cumprida a tarefa de “restituir a linguagem à fala natural da tribo, revigorando as formas e os ritmos próprios à musicalidade inerente à língua, sem prejuízo de seu comércio com o sensível, o imediato, o real”, a poesia brasileira podia alçar vôos mais altos.

Mas retornemos agora à década de 1940, precisamente à chamada geração de 1945 quando a poesia brasileira, uma vez realizada a benfazeja renovação modernista, atingia o seu apogeu. É justamente quando um grupo de jovens propõem reinventar a roda: os irmãos Campos, Décio Pignatari e mesmo Mário Faustino. Querem fazer uma revolução. Mas a revolução que propõem não é a de restituir a linguagem poética `a fala natural da tribo, mas de criar uma linguagem artificial, situada a um oceano de distância da fala como se fala, uma linguagem de laboratório que não tem nada a dizer e que tem seu objetivo em si mesma.

O que representam estes revolucionários intempestivos em nossa cultura? Eles não fazem senão o “jogo de antiqüíssimas aflições adolescentes.” Repetem a História como farsa. Sua arte não passa de “ludismo”, sintoma, segundo Tolentino, de uma Civilização em crise. Logo no início do prólogo, Tolentino afirma que sempre que os “projetos civilizatórios” entram em decadência, surge “uma pletora de exoterismos próprios a entreter uma ilusão de liberdade enquanto não chegam os bárbaros.” As principais características são “a vacuidade existencial” e “idolatria esteticista.” A linguagem se torna um fetiche. Não é mais um instrumento de comunicação, mas tem um valor em si mesma. É puro brinquedo, mas é também um totem, um amuleto. É como aquela história de uma tribo completamente isolada da civilização que passa a idolatrar um avião que ali fora cair, sem ter a menor idéia do significado daquilo, de que é um instrumento para fazer o homem voar.

O concretismo e similares nos são assim apresentados por Tolentino não como arte, mas como sintoma de uma civilização em crise. Se este tipo de “arte” permanecesse marginalizado, sem ser levado a sério, não seria sintoma, mas como foi promovido a establishment cultural, sendo equiparado à grande produção dos Drummonds, Murilos e Tolentinos, sendo motivo de sérias teses acadêmicas, sendo estudado em todos os colégios de ensino mérdio, “caindo” em todos os vestibulares, é porque Bruno acerta no seu diagnóstico. Virou motivo de imitação até mesmo da baixa arte, a dos intelectuais de miolo mole, daí o “açaí guardiã” contra o qual Pedro Sette Câmara tanto impreca, daí também o Arnaldo Antunes, os Tribalistas. Tudo não passa de jogo, brinquedo que às vezes tem graça, às vezes é extremamente enfadonho.

Desnecessário comparar estes revolucionários literatos de 1945 aos revolucionários políticos. Desnecessário lembrar aqui a 13ª. Tese de Marx sobre Feuerbach (já vejo que serei rotulado de olavete) e perceber o óbvio: que estes concretistas e similares não fazem mais do que querer transformar a arte antes mesmo de compreendê-la. Adolescentes aflitos, não conseguiam sufocar um pouco a sua libido dominandi, ser um pouquinho humildes e representarem o papel de “talentos medianos”. Estes talentos medianos que tem um papel menor mas não desprovido de importância a representar numa cultura:

Com efeito, os momentos decisivos nas grandes culturas do Ocidente foram aqueles em que toda uma miríade de talentos menores superou a platitude da mediocridade, que é toda outra coisa, e circundou com naturalidade suas figuras de proa. A sólida nave de uma cultura é feita do lenho tosco, mas confiável, do que um povo tem de mais próximo, mais familiar, mais saudável. Os altos mastros não se erguem do nada, mas de um amplo convés do mesmo lenho. Navegar é preciso, mas é toda uma raça que o faz, quem à gávea, quem à bússola, quem à proa e quem à popa - e ao leme, aos cordames, aos remos. A invisibilidade da tripulação nunca é mais que aparente, sua presença miuda é condição indispensável ao
bom destino da empresa, da aventura
.”

Enfim, por orgulho os literatos revolucionários rejeitaram figurar como atores menores e assumiram o papel de nulidades absolutas.

Um comentário:

Unknown disse...

Sei que é um post bem antigo, mas duas considerações me pareceram pertinentes:

"Desnecessário lembrar aqui a 13ª. Tese de Marx sobre Feuerbach (já vejo que serei rotulado de olavete)"

Sem querer ser muito chato, você talvez ainda precise de um pouco de Toddy para chegar a olavete: Marx escreveu 11 teses sobre Feurbach. A que você quer é a décima-primeira.

E uma leitura do diálogo crítico entre Faustino e os concretistas, além das cartas do primeiro, ajudaria você a não colocar todos no mesmo saco. Se Mário Faustino não tivesse morrido tão cedo, é bem possível que ninguém considerasse seriamente a hipótese de Tolentino ter sido o maior poeta brasileiro da segunda metade do XX.

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