quarta-feira, 20 de março de 2013

Complexo de Portnoy

Li por estes dias “O Complexo de Portnoy.” Todos devem conhecer algo do romance: trata-se da nativa em primeira pessoa de Alexandr Portnoy, em forma de confissões a seu psicanalista, Dr. Spivoegel, a respeitos dos conflitos morais surgidos dos entrechoques de sua educação judaica com seus impulsos sexuais e atração mimética pelo goy way of life (o modo de viver dos norte-americanos não judaicos). Desses entrechoques surgiu uma anomalia psíquica a que seu psicanalista nomeou “complexo de Portnoy” e que assim é definida:

“Quadro mórbido caracterizado por fortes impulsos altruísticos em constante conflito com anseio sexuais extremos, muitas vezes de natureza pervertida. Segundo Spievoegel, “atos de exibicionismo, voyeurismo, fetichismo, auto-erotismo e coito oral são abundantes; em consequência da ‘moralidade’ do paciente, porém, nem as fantasias nem o ato geram gratificação sexual genuína, mas sim sentimentos avassaladores de vergonha e temor de punição, em particular sob a forma de castração.”

Alexander tem uma infância hiper-protegida pela mãe e por todos os lados cercada pela infinidade de interditos próprios da cultura judaica, os quais remontam ao Levítico. A mãe é aquela imensa ave superprotetora que o sufoca sob suas asas, achando o horror dos horrores que ele coma comida de goy, o fast food americano, em vez da comida kosher. O pai, que sofre de terrível prisão de ventre, é descrito por ele como um homem fraco e medroso, um mero vendedor de seguros incapaz de subir na vida (a prisão de ventre é um símbolo óbvio dessa incapacidade de auto-transcendência horizontal ou social). É o antípoda em sua imaginação do forte e louro animal americano WASP, o self made men. Alexander atribui essa fraqueza às próprias interdições culturais judaicas. É um gifted boy, o bem dotadinho da família, nota dez em todas as matérias. Criaturinha inteligente que não iria passar dos dez anos sem iniciar uma revolta contra sua educação, especialmente por notar que seus amiguinhos de colégio eram educados de forma tão diversa. Ainda criança, nega-se a ir ao culto do pastor gordo que fede a cigarros Pall Mall e se declara ateu. O pai chora diante da precoce apostasia do judeusinho. Ainda criança, se torna socialista e começa a questionar o tratamento que os pais dão aos empregados e aos pobres. Ainda criança, se torna o campeão dos handjobers da paróquia, ou melhor, da sinagoga. Ainda criança, Pornoy manifesta uma potente inveja ou “desejo mimético” pelo mundo do grande animal louro acima referido. O filho é pai do homem: Alexander se torna um advogado de muito sucesso defensor dos direitos civis de minorias, um liberal, apóstata, com imensa tara por shkises (americanas não judias), que troca de namoradas como trocava de mulheres de fantasia em seus anos de masturbação mais intensa. Não é feliz, despreza todas as suas namoradas. Nunca se satisfaz sexualmente de forma plena, nem consegue amar ninguém. A modelo WASP burrinha é um emblema de seu problema sexual: a deseja intensamente, mas ao mesmo tempo a despreza por possuir um baixíssimo nível moral e intelectual para o garotinho criado com talquinho no bumbum e educação tão refinada. Por este motivo, foi parar no divã. É mais uma história do gifted boy que se rebela contra sua própria educação tradicional, indagando “por que tem que deve ser assim e não de outra forma?”, sem se contentar com as respostas pouco profundas que os pais podem lhe dar. Mas a educação não o deixa e entra em choque com a personalidade independente que intenta criar para si próprio. É como o personagem de um dos últimos romances de Roth, “Indignação.” Este último termina em tragédia, “Portnoy’s Complaint” em comédia.

Pois bem, conheço quem crie 6 filhos na mais rigorosa e ortodoxa educação cristã, com um sem-número de interdições televisivas, por exemplo. Indago-me se não sairá um portnoysinho dali. Viverá inevitavelmente em companhia de colegas criados na mais trescoucada e livre de extensas regras da educação “pós-moderna.” Muito possivelmente, o desejo de ser como eles e a pergunta “por que não?” irão acompanhá-lo, transformando-se em revolta.

Há também o fenômeno dos pornoys tardios, os quais contraíram a síndrome depois de se reconverterem da cultura secular ao cristianismo: É um portnoyismo invertido: sua criação liberal secular entra em conflito com o novo ethos cristão e suas poucas, mas gravíssimas interdições: castidade, fidelidade, etc. Fazer o que? O self nesse mundo em que vivemos é uma etapa da História em que confluem uma infinidade de costumes e regras éticas das mais diversas origens e o pobre fica desnorteado levantando um mastro com bandeira para Cristo e outro mastro sem bandeira para Onã.

Acaba-se por viver um problema moral. O sujeito aceita o cristianismo como a verdade transcendente vencedora, mas educado e fascinado pelo “mundo” tem dificuldades em viver como cristão do ponto de vista da luxúria. Pensa que a tal castidade é virtude fácil? Vejo os vídeos de um padre que difundem com o apuro do mais cuidadoso e preciso hermeneuta jurídico a doutrina católica sobre problemas concretos. Atenção: não vamos falar nem de infidelidade, nem da horrenda bronha (em homenagem a Roth não vamos nos abster da utilização de vocábulos capazes ruborizar de Alexandre Soares Silva), mas da mais inocente e verdadeiramente amorosa relação heterossexual pré-nupcial. Pois bem, essa inocente prática, segundo a melhor hermenêutica sistemática, que coteja o Código de Direito Canônico com o Catecismo Católico é, indiscutivelmente, pecado que impede a prática dos sacramentos obrigarórios da confissão e da comunhão!

Diante disto, o presidente de diretório estudantil pró-direito alternativo, lewandoskiano, e mágico hermenêutico, que há dentro de nós, tende a protestar: legalista! Mas não tem argumentos muito fortes para contestar o padre. Posso, ao menos, argumentar que estou num momento de suspensão de crença a este respeito e que, portanto, falta-me culpabilidade. Mas não adianta: o complexo de Portnoy está instalado.

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