quinta-feira, 22 de maio de 2014

SUB SPECIE AETERNITATIS



Aí vem a Copa do Mundo de novo. Hoje, reparando o álbum de figurinhas na banca, pensava: esse ano busca-se o hexa, qual será o prefixo grego quando o Brasil buscar o seu 53º. campeonato em 2.434? Não fiz as contas para ver se dá para vencer 50 e tantos campeonatos até lá, nem sei se haverá copa em 2.434, mas chuto. E em 2500, como será a Copa? Existirá Copa? Existirá futebol? Existirá o Brasil? De nós não restará nem resquício de lembrança, nem de nossos netos. Talvez se lembrem do "Pelé Eterno", como hoje nos lembramos do nome de Carlos Magno, mais como um símbolo de uma infinidade de iguais. 

Esse tempo dilatado não nos pertence, nem nos interessa. Só nos pertence e interessa o presente. Pensar nestas coisas é já uma forma de insanidade para o mamífero que somos. Mas, no fundo, sempre pensei. Acho que desde quando estava sendo banhado pela babá numa bacia. E desse tempo que se estende infinitamente sempre tive pavor, pois ele vai aniquilando tudo, aniquilando todos os momentos, contados em horas, em dias, em meses, em anos, em décadas, em séculos, e talvez os remetendo para o limbo inacessível da Eternidade, para fora da caverna do Platão. Que significará a década de 1.980 de que nos lembramos com tanto saudosismo em 2.760? É uma década que só importa para nós e desaparecerá da memória coletiva em breve, breve. Não tem nenhum significado numa escala de tempo maior. O Universo inteiro será aniquilado no fim (e que delícia de Universo inteiro que será aniquilado no fim!). Talvez recomece a existir num eterno retorno. Não sei o que a Astrofísica pensa atualmente sobre isso, talvez o eterno retorno seja apenas um cenário cósmico possível, dentre tantos. Dá-nos uma vontade imensa de escapar para fora disto, de escapar desse maldito possível eterno retorno, ou desse fim cósmico decepcionante (também não consigo compreender quem não tenha a vontade de escapar disto, de achar uma toca de coelho de baixo da cerca da Teoria Final): 

“Não importa como esses problemas serão resolvidos, e qual o modelo cosmológico vai se mostrar correto, não há muito conforto em nada disso. É quase irresistível ao ser humano crer que temos uma relação especial com o universo, que a vida humana é simplesmente o resultado mais ou menos ridículo de uma cadeia de acidentes que remontam aos primeiros três minutos, mas que de alguma forma nós fomos inseridos desde o início (...) É muito difícil constatar que isto é apenas uma minúscula parte de um universo predominantemente hostil. É ainda mais difícil constatar que este universo presente evoluiu de uma condição inicial indizivelmente inóspita, e se defronta com a futura extinção por frio incessante ou calor intolerável. Quanto mais o universo parece compreensível, tanto mais também parece sem sentido.

Mas se não há o conforto nos resultados de nossa busca, há ao menos algum consolo na própria busca. Homens e mulheres não se contentam em se confortar com lendas de deuses e gigantes, ou em confinar seus pensamentos às questões diárias da vida; eles também constroem telescópios e satélites e aceleradores e sentam diante de suas escrivaninhas durante horas intermináveis elaborando o significado de todos os dados que ajuntam. O esforço de entender o universo é uma das poucas coisas que elevam a vida humana um pouco acima do nível da farsa e do absurdo, e lhe dá algo da graça da tragédia.” (Steven Weinberg. The First Three Minuts,).

Falava de eu estar filosofando na bacia de tomar banho na mais tenra idade. Não sei se isso de fato aconteceu, mas tenho essa lembrança desse possível acontecimento no meu passado. Pensava no espaço, no que poderia haver além dele. Pensava naqueles ícones da sagrada família e os via como a família de um rei que morava no céu. Mas me perguntava: como é que rei pode morar no céu? O Espírito Santo coça-se com o bico? Se eu tivesse revelado aquele pensamento à moça que me banhava ela teria dito com toda certeza: pare de pensar em besteira, menino. De certa forma, ela tinha razão.

Outra "besteira" na qual se pode passar tempo a pensar é no ultimate meaning. O Psicólogo Que Escapou do Holocausto diz que o ser humano não suporta a falta de sentido. O nonsense, o dadaísmo só nos servem como divertissement. Eles têm a mesma função do humor, além de uma função a que a psicologia do próprio Frankl dá o nome de desreflexão: um método para tratamento de neuróticos com pensamentos obsessivos. Mas fica a questão: temos a sede de sentido, mas também a sede de sentido último? Bom, não é preciso dizer que quem persegue o sentido último e dá tanta importância a ele é essa raça esquisita mas onipresente em qualquer sociedade humana e em qualquer época da história, sempre numa proporção insignificante da população: a raça dos filósofos. Qual deles nunca fez esse tipo de reflexão tão banal a que podemos dar o nome de escalada dos porquês?: Acordo, tomo café da manhã. Por que? Porque preciso ter energia para o dia a dia, para o trabalho. Faz sentido. Mas por que preciso de trabalho? Porque preciso de dinheiro para viver. Faz sentido. Mas por que preciso viver? Pronto, começa a Filosofia. Podemos fazer como as “pessoas normais” e parar por aqui, respondendo: porque sim. Quando a questão começa a incomodar, a melhor saída vem de Victor Frankl: desreflexão. Porque, de fato, não é para incomodar muito: a vida cotidiana já está cheia de sentido demais, e mal nos damos conta. Voltar ao fluxo irrefletido da vida cotidiana é a solução. Infalível. Ademais, esse mundo é uma fonte inesgotável de divertissement. Entramos num e adeus ennui. Só não se deve cair na seita do chá de Herbalife ou na do Waldo Vieira.  

Mas a questão continua. Creio que a resposta a ela pode ir em vários sentidos: o niilismo, segundo o qual não há sentido nenhum; o religioso transcendental; o imanentista aristotélico(?): o sentido da vida é ser feliz aqui neste mundo já que não há outro e ponto final. O sentido imanentista aristotélico tem algumas consequências pesadas. Por exemplo, a terapia para pacientes com doença dolorosa severa e incurável só pode uma: a eutanásia. Robert Chambers (1865-1933) se antecipou demais no conto "O Reparador de Reputações", da coletânea "O Rei de Amarelo", ao prever para 1.920 a instalação das primeira "Câmaras Letais" nos EUA. Errou de lugar também: as primeiras entrarão em funcionamento na feliz Noruega ou no Canadá, por volta de 2.027, a menos que os exércitos eurasianos ocupem estes países antes. Pronto, profetizei.

De volta ao menino na bacia: aqueles pensamentos sobre o que haveria além do céu e sobre se o Espírito se coçava ou não com o bico não eram, na época, nem são hoje, a coisa mais importante na vida e só ocupavam uma parcela ínfima do tempo. Em regra. Na época, nos saudosos anos 1.980, o importante, por exemplo, era contar as horas para saber quando a mãe chegaria do Hospital ou ganhar bonecos G.I. Joe uma vez por mês, depois das compras no supermercado. Com o passar dos anos, o divertissement cresceu e se multiplicou. E aqui vamos nós.

P.S. O Espírito Santo coçando-se com o bico, obviamente, é uma alusão ao "Guardador de Rebanhos" e eu nunca imaginei o Espírito se coçando.

Nenhum comentário:

Seguidores

Arquivo do blog